Quando despertarmos de entre os mortos <small>– Henrik Ibsen - 1886 d.C.</small>
Update: 2018-09-06
Description
Cenas da tragédia homônima de Henrik Ibsen. 1886 d.C.
Tradução de Vidal de Oliveira. Editora Globo.
oferecimento
Primeiro Ato
RUBEK (sentado à sua mesa, considera-a durante algum tempo com olhar fixo e grave; levanta-se depois, dá alguns passos na direção dela e diz com voz abafada)
Eu bem te havia reconhecido, Irene.
A ESTRANGEIRA (com voz apagada, pousando a taça)
Realmente, Arnold, como adivinhaste?
RUBEK (sem responder)
Creio que tu também me reconheces.
A ESTRANGEIRA
Oh! E muito diferente!
RUBEK
Diferente, por quê?
A ESTRANGEIRA
Porque ainda estás vivo.
RUBEK (sem compreender)
Vivo?…
A ESTRANGEIRA (ao cabo de um instante)
Quem era aquela outra? A que estava sentada perto de ti, aí na mesa?
RUBEK (com alguma hesitação)
Era… minha mulher.
A ESTRANGEIRA (meneando lentamente a cabeça)
Ah! muito bem, Amold. Alguém com quem nada tenho a ver…
RUBEK (com hesitação)
Não… realmente…
A ESTRANGEIRA
… que encontraste quando eu não estava mais viva.
RUBEK (olhando-a mais fixamente)
Quando não estavas mais?… que queres dizer, IRENE?
IRENE (sem responder)
E a criança? Como vai ela, bem?… Nosso filho sobrevive a mim na glória e nas honrarias?…
RUBEK (sorri como a uma recordação longínqua)
Nosso filho? Sim, era assim que nós o chamávamos outrora.
IRENE
Quando eu vivia, sim.
RUBEK (buscando dar um tom alegre à conversa)
Pois é, Irene! Imagina só: “nosso filho”, célebre de uma extremidade à outra da terra. Suponho que leste isso, não?
IRENE (inclinando a fronte)
E ele tomou o pai igualmente célebre. Não era esse o teu sonho?
RUBEK (comovido, baixando a voz) A ti, Irene, devo tudo, tudo. Obrigado!
IRENE (reflete um momento, imóvel)
Se ao menos naquele tempo, Arnold, eu tivesse feito o meu dever…
RUBEK
Como?
IRENE
Eu deveria ter matado a criança.
RUBEK
Que dizes? Matá-la?
IRENE (em voz baixa)
Matá-la, antes de te deixar. Esmagá-la… Reduzi-la a pó…
RUBEK
Não o poderia fazer, Irene. Não terias tido coragem para isso.
IRENE
É verdade… Naquele tempo, meu coração era diferente.
RUBEK
Mas depois?…
IRENE
Depois, matei-o em várias ocasiões. Em pleno dia e na sombra… Matei-o em acessos de ódio… de rancor… de dores…
RUBEK (caminha até à mesa de Irene e baixa a voz)
Irene… depois de tantos anos… dize-me enfim: por que te foste? Por que desapareceste sem deixar vestígios… sem que eu te pudesse encontrar outra vez?…
IRENE (movendo lentamente a cabeça)
Para que dizê-lo, Arnold… agora que não mais existo?
RUBEK
Foi por amor a outro?
IRENE
Por amor a alguém que não mais precisava de meu amor, que não mais precisava de minha vida.
RUBEK (para desviar o curso de seus pensamentos)
Não falemos mais no que se passou…
IRENE
Tens razão. Não falemos mais do que pertence a outro mundo… a um mundo que não é mais o meu.
RUBEK
Onde estiveste, Irene? Escapaste a todas as minhas buscas.
IRENE
Mergulhei nas trevas… quando vi a criança inundada de glória e de luz.
RUBEK
Viajaste muito?
IRENE
Sim, percorri muitas regiões, muitos países.
RUBEK (olhando-a com interesse)
E que fizeste, Irene?
IRENE (volvendo os olhos para ele)
Espera um pouco, para eu me lembrar… Ah! Sim, agora me lembro. Subi num estrado giratório, num café-concerto. Figurei, nua, em quadros vivos. Recolhi muito dinheiro. Isso não me aconteceu em tua casa.
Tradução de Vidal de Oliveira. Editora Globo.
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Primeiro Ato
RUBEK (sentado à sua mesa, considera-a durante algum tempo com olhar fixo e grave; levanta-se depois, dá alguns passos na direção dela e diz com voz abafada)
Eu bem te havia reconhecido, Irene.
A ESTRANGEIRA (com voz apagada, pousando a taça)
Realmente, Arnold, como adivinhaste?
RUBEK (sem responder)
Creio que tu também me reconheces.
A ESTRANGEIRA
Oh! E muito diferente!
RUBEK
Diferente, por quê?
A ESTRANGEIRA
Porque ainda estás vivo.
RUBEK (sem compreender)
Vivo?…
A ESTRANGEIRA (ao cabo de um instante)
Quem era aquela outra? A que estava sentada perto de ti, aí na mesa?
RUBEK (com alguma hesitação)
Era… minha mulher.
A ESTRANGEIRA (meneando lentamente a cabeça)
Ah! muito bem, Amold. Alguém com quem nada tenho a ver…
RUBEK (com hesitação)
Não… realmente…
A ESTRANGEIRA
… que encontraste quando eu não estava mais viva.
RUBEK (olhando-a mais fixamente)
Quando não estavas mais?… que queres dizer, IRENE?
IRENE (sem responder)
E a criança? Como vai ela, bem?… Nosso filho sobrevive a mim na glória e nas honrarias?…
RUBEK (sorri como a uma recordação longínqua)
Nosso filho? Sim, era assim que nós o chamávamos outrora.
IRENE
Quando eu vivia, sim.
RUBEK (buscando dar um tom alegre à conversa)
Pois é, Irene! Imagina só: “nosso filho”, célebre de uma extremidade à outra da terra. Suponho que leste isso, não?
IRENE (inclinando a fronte)
E ele tomou o pai igualmente célebre. Não era esse o teu sonho?
RUBEK (comovido, baixando a voz) A ti, Irene, devo tudo, tudo. Obrigado!
IRENE (reflete um momento, imóvel)
Se ao menos naquele tempo, Arnold, eu tivesse feito o meu dever…
RUBEK
Como?
IRENE
Eu deveria ter matado a criança.
RUBEK
Que dizes? Matá-la?
IRENE (em voz baixa)
Matá-la, antes de te deixar. Esmagá-la… Reduzi-la a pó…
RUBEK
Não o poderia fazer, Irene. Não terias tido coragem para isso.
IRENE
É verdade… Naquele tempo, meu coração era diferente.
RUBEK
Mas depois?…
IRENE
Depois, matei-o em várias ocasiões. Em pleno dia e na sombra… Matei-o em acessos de ódio… de rancor… de dores…
RUBEK (caminha até à mesa de Irene e baixa a voz)
Irene… depois de tantos anos… dize-me enfim: por que te foste? Por que desapareceste sem deixar vestígios… sem que eu te pudesse encontrar outra vez?…
IRENE (movendo lentamente a cabeça)
Para que dizê-lo, Arnold… agora que não mais existo?
RUBEK
Foi por amor a outro?
IRENE
Por amor a alguém que não mais precisava de meu amor, que não mais precisava de minha vida.
RUBEK (para desviar o curso de seus pensamentos)
Não falemos mais no que se passou…
IRENE
Tens razão. Não falemos mais do que pertence a outro mundo… a um mundo que não é mais o meu.
RUBEK
Onde estiveste, Irene? Escapaste a todas as minhas buscas.
IRENE
Mergulhei nas trevas… quando vi a criança inundada de glória e de luz.
RUBEK
Viajaste muito?
IRENE
Sim, percorri muitas regiões, muitos países.
RUBEK (olhando-a com interesse)
E que fizeste, Irene?
IRENE (volvendo os olhos para ele)
Espera um pouco, para eu me lembrar… Ah! Sim, agora me lembro. Subi num estrado giratório, num café-concerto. Figurei, nua, em quadros vivos. Recolhi muito dinheiro. Isso não me aconteceu em tua casa.
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